MARÉ: uma plataforma que ajuda no regresso à normalidade e não esquece o direito ao anonimato
O projeto foi um dos selecionados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) no âmbito da 2.ª edição da “RESEARCH 4 COVID-19” e vai receber 40 mil euros de financiamento.
Liderado pelo professor Nuno Jardim Nunes, o projeto “Maré- Mobilização Anónima de Regresso à normalidade para mitigar a Epidemia de covid-19″, selecionado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) no âmbito da 2.ª edição da “RESEARCH 4 COVID-19”, tem como foco o apoio no regresso à normalidade em tempos de pandemia. Não esquece, porém, outras marés importantes para os cidadãos, tais como a segurança e a privacidade. E se é verdade que é possível usar a tecnologia para ajudar os cidadãos a regressarem à normalidade, também é óbvio que estes o devem poder fazer com confiança e sem comprometer a sua segurança. Com estas metas bem presentes, a equipa do “Maré” desenvolveu uma plataforma versátil de rastreamento digital de pessoas que pode ser usada para dar resposta às várias problemáticas geradas pela pandemia- e não só-, mas que garante o anonimato do cidadão. Além do Interactive Technologies Institute (ITI / LARSyS) estão também envolvidos no projeto o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores – Investigação e Desenvolvimento (INESC-ID), o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), e o Instituto de Administração da Saúde da Madeira que se prontificou a testar a primeira versão da plataforma.
“O projeto surgiu de forma quase espontânea entre um grupo de professores do Instituto Superior Técnico, quando falávamos sobre a necessidade de desenvolver uma abordagem distinta ao problema das Apps Covid-19”, começa por explicar o professor Nuno Jardim Nunes, docente do Técnico, investigador do ITI / LARSyS e líder do projeto. “Enquanto especialistas nos fatores humanos conhecemos muito bem os desafios de adoção da tecnologia, bem como das preocupações com a privacidade, segurança e conveniência para os cidadãos. A crise da Covid-19 é quase um exemplo perfeito do que nós chamamos um problema de design difícil (“wicked”)”, acrescenta, de seguida, o investigador. Tendo isto em mente, os docentes agarraram no conhecimento que detêm e na vontade de ajudar no combate à pandemia e tentaram perceber como é que uma aplicação “poderia servir este contexto para além do rastreamento de contactos, que tem sido infelizmente a única questão abordada”.
Para a equipa foi claro desde o início que o principal desafio imposto pela Covid-19 seria o regresso à normalidade após o estado de emergência. O docente do Técnico realça “que as pessoas estão assustadas, receosas e a Covid-19 implica alterações ao nosso dia a dia” e, por isso, é importante “compreender como ajudar tecnologicamente nas mudanças de comportamento de forma sustentável”. Para a resolução deste enorme desafio, a equipa do “Maré” resolveu inverter a solução mais comum e em “vez de perguntar como é que a tecnologia pode ajudar os médicos e as autoridades, perguntámos como é que a tecnologia pode ajudar os cidadãos a regressarem à normalidade de uma forma segura e com confiança. Colocámos o cidadão e não as autoridades no centro do problema”, sublinha o professor Nuno Jardim Nunes.
Para o desenvolvimento da plataforma do “Maré”, estão a ser utilizadas “as tecnologias mais modernas de desenvolvimento de aplicações em Flutter e Dart”, como salienta o líder do projeto. “Também temos colaborações internacionais para encontrar soluções de deteção de contactos que não sejam intrusivas nem impliquem partilha de dados dos utilizadores, por exemplo, usando WiFi”, avança ainda. O projeto tem também uma perspetiva de ciência cidadã e por isso mesmo, poderão ser incorporadas outras dinâmicas na plataforma, nomeadamente o envolvimento voluntário de grupos selecionados de utilizadores que ajudarão a responder a questões colocadas por médicos, devidamente aprovadas por uma comissão de ética. “A ideia do Maré é servir de plataforma para testes localizados em comunidades específicas e não ser uma solução generalista e universal, até porque não acreditamos nisso”, garante o professor Nuno Jardim Nunes.
Apesar de a equipa ter três meses para desenvolver o projeto, o primeiro protótipo já está pronto e foi desenvolvido de forma completamente voluntária. Existem, no entanto, algumas funcionalidades importantes que exigiam um apoio adicional que com o financiamento da FCT, no valor de 40 mil euros, será mais fácil alavancar. Dentro desses elementos está a tal componente da ciência cidadã e também os modelos de gamificação da plataforma, que podem passar, por exemplo, pela criação de incentivos através de prémios e recompensas para promover a mudança comportamental.
A plataforma está pronta e disponível para ser adaptada por diferentes comunidades com fins distintos. “Queremos que dentro de três meses o Maré seja uma plataforma de experimentação aberta e disponível para as comunidades civis e científicas poderem usar, e não só no contexto da Covid-19”, vinca o professor Nuno Jardim Nunes. A versatilidade do projeto foi, aliás, já testada apesar do curto tempo de vida do mesmo: “já cedemos a plataforma ao Governo Regional da Madeira para a adaptar para apoiar a abertura do turismo nas Ilhas”, revela o docente do Técnico. “Estamos disponíveis para o fazer gratuitamente com outras comunidades e numa perspetiva de ajudar a retomar a normalidade e mitigar os impactos económicos da crise”, adiciona o líder do projeto.
Por detrás do “Maré” está uma equipa multidisciplinar que envolve designers, engenheiros informáticos, psicólogos e médicos de saúde pública. “O Design é importante porque permite encontrar o problema certo, porque muitas vezes a Engenharia avança para uma solução sem questionar se está a tentar resolver o problema certo”, aponta o professor Nuno Jardim Nunes. O envolvimento de médicos e psicólogos no projeto está diretamente relacionado com a vontade inerente ao projeto de “contribuir de forma indireta, e de uma perspetiva de ciência cidadã, para ajudar a compreender melhor questões de saúde pública relevantes”, tal como salienta o investigador do ITI / LARSyS.
Para o docente do Técnico, a pandemia “é uma oportunidade para criarmos respostas rápidas interdisciplinares”. “Estou envolvido noutros dois projetos e são colaborações inesperadas mesmo dentro do Técnico que provavelmente nunca teriam acontecido se não fosse a Covid-19”, partilha ainda. Consciente de que este é um “wicked problem” e que por isso mesmo exige respostas não convencionais, o professor Nuno Jardim Nunes não pode deixar de congratular a FCT “pela forma como conseguiu reagir” à situação. “Tenho colegas noutros países Europeus que estão a perguntar porque é que as suas entidades de financiamento não fizeram o mesmo”, destaca o docente, satisfeito por poder contar com este apoio no desenho desta solução que não esquece valores importantes para os cidadãos, que não devem ser segregados para segundo plano pelo medo gerado pela pandemia.